sábado, 9 de julho de 2011

vc repórter: ex-agente guarda histórias e imagens do Carandiru

Uma das distrações dos presos era assistir shows no Carandiru; Rita Cadillac se apresentou no presídio diversas vezes
Foto: Mazotto/vc repórter
Quando a Casa de Detenção do Carandiru foi demolida em 9 de dezembro de 2002, saiu do mapa de São Paulo um dos pontos mais famosos (mesmo que, para muitos, negativamente) da cidade. Porém, quem esteve lá, nem que seja por um dia, guarda na memória a existência do que foi o maior presídio da América Latina. É o caso de Ronaldo Mazotto, ex-agente penitenciário do Carandiru por quase 10 anos. 

Quem fez parte da força de trabalho do local está realmente marcado pelo que enfrentou lá dentro. Além de tudo o que sempre terá em sua memória, ele também possui mais de mil imagens, diversas horas de vídeos e maquetes e objetos conseguidos dentro dos muros do presídio. 

"Eu possuía autorização da Secretaria de Administração Penitenciária para filmar e fotografar os presos, mas muitos não gostavam e não deixavam", conta Mazotto. "Mas as maquetes do presídio e outros objetos foram todos feitos pelos detentos", explica, mostrando que havia maneiras de passar o tempo realizando atividades artísticas. "Procurava no lixo utensílios e armas dos detentos", completa.
Esse lado artístico foi aproveitado por Mazotto para realizar uma exposição no último mês de maio, no Parque da Juventude (local em que ficava o presídio). "Foi abordada a explosão cultural que existia no Carandiru, com música, desenho, artes em geral e escolas que ensinavam os presos", conta. 

Histórias
Além dos registros táteis obtidos por Mazotto, também há o que só ele e poucos outros puderam presenciar. Como a vez em que um detento tentou transportar uma arma dentro de uma Bíblia. "Estava tomando conta da rua de acesso aos pavilhões, quando chegou uma informação de que havia um detento transportando uma arma dentro de uma Bíblia e que a utilizaria para tornar um funcionário refém", conta. 

O problema é que muitos detentos possuíam Bíblias. Ou seja, não era fácil detectar qual era o armado. "Consegui uma foto identificando o suspeito e o encaminhei ao regime de cela disciplinar. Ainda foi condenado por porte ilegal. O detalhe interessante é que foi um funcionário que havia entregado a arma a ele", diz Mazotto. 

Mas o maior momento de tensão pelo qual passou o ex-agente do Carandiru foi quando, na mesma rua de acesso, muitos detentos dos pavilhões oito e nove começaram a sair gritando frases como "Agora a cadeia é nossa, tá tudo dominado". Segundo Mazotto, mais de 600 presos estavam juntos.
Além dele, mais quatro funcionários, acuados, decidiram que não iam permitir a ação dos bandidos. "Eu estava com muito ódio, não aceitava mais aquela situação. Já havia sido refém e não queria ser de novo", conta. Então, enquanto avançavam, foi ouvido um tiro para o alto. 

Os detentos começaram a retornar para seus pavilhões, e a coragem dos funcionários cresceu. "Aí decidimos correr e gritar, e eu fui o primeiro a chegar no portão do pavilhão nove. Foram cerca de 40 minutos de adrenalina, a mais alta que já senti", diz. "Foi uma das piores situações pela qual passei", completa. 

Tantas histórias, filmagens e fotos renderam um documentário, que foi exibido em oito países da Europa e América do Norte, Estados Unidos entre eles. "No Brasil, apenas quem recebeu de minhas mãos o filme pôde vê-lo", diz. "Minha passagem por lá foi realmente fascinante", conta. "Fiz parte da primeira turma que entrou depois do massacre (que ocorreu em dezembro de 1992, deixando centenas de presos mortos, 120 policiais indiciados e mais de 500 tiros disparados, em um dos capítulos mais sangrentos da história penitenciária brasileira), e hoje digo que a cadeia realmente não ajuda ninguém a voltar para a sociedade", diz. 

"Mas meu trabalho era apenas manter o detento longe da sociedade. E voltar a ela é apenas para quem realmente quer melhorar, e faz cursos, estuda. Ou, até mesmo, que vá para a Igreja, para matar o tempo de forma saudável. Vi detento que aprendeu a ler e a escrever na cadeia, depois fazer faculdade e virar advogado", completa, mostrando uma esperança só existente naqueles que viram a realidade do maior presídio da América Latina. 

Hoje, Mazotto realiza a mesma função de agente de segurança na penitenciária de Serra Azul, no interior de São Paulo. 

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