Proposta para debate na CONSEG
Por Luís Alberto Bonfim Sousa*
Durante anos os servidores penitenciários vêm lutando para sair da invisibilidade imposta a sua função e para romper com as máculas e olhares preconceituosos de uma sociedade que resiste em ver o novo e, com a visão do passado, errônea e covarde, ainda transfere aos trabalhadores penitenciários toda a responsabilidade pelas as agruras do cárcere sobre os indivíduos presos, da mesma forma que responsabilizaram os guardas das galés e os carrascos nos patíbulos pelo o exercício da suas vexatórias funções sociais em séculos atrás. Diferentes dos trabalhadores que exerciam funções sociais e punitivas do passado, respeitando as condições históricas dadas em cada época, os agentes penitenciários tem, hoje, a possibilidade e as ferramentas intelectuais disponíveis para colocarem em prática na luta pela transformação da realidade que lhe é concebida institucionalmente nos espaços prisionais.
Destarte, encontra-se em construção um novo momento para o Sistema Prisional, a nível nacional, com a PEC Nº 308/2004, que cria a Polícia Penal no Distrito Federal e nos Estados, como outras lutas que tornam o sistema mais eficiente e autônomo na sua capacidade de gestão. Por outro lado, não se deve perder o foco do desenrolar das questões prisionais nos Estado, para que não destoe do projeto de profissionalização dos serviços penitenciários e da autonomia que os trabalhadores buscam construir.
Antes do governo Lula, o projeto para o Sistema Penitenciário brasileiro encontrava-se bem definido em alguns Estados. O desmonte foi total: primeiramente, retirando a autonomia dos servidores, não reconhecendo o seu valor e capacidade e os culpando pelos problemas institucionais, e, depois, transferindo a competência da gestão dos Presídios e Penitenciárias para alguns policiais civis e militares. Os militares, em sua grande maioria, vêm ocupando a gestão de várias unidades prisionais em diversos Estados brasileiros, e comandando os poucos órgãos de Inteligências Penitenciárias existentes, que devem ser dirigidos pelos servidores penitenciários, da mesma forma que acontece nas policias. É preciso romper com as vaidades, socializar conhecimentos e dividir as tarefas, uma vez que a complexidade e o nível de ousadia dos criminosos exigem que as instituições ligadas Segurança Pública e Prisional sejam especializadas para combatê-lo.
Os presídios e penitenciárias pelo Brasil a fora são espaços utilizados para se obter informações, inclusive, articulações de ações criminosas tanto de dentro para fora quanto ao contrário, e, também, para solucionar antigos crimes cometidos. Como se ver, não é por vaidade que os servidores penitenciários precisam estar a frente das Unidades Prisionais e dos órgãos de Inteligência Penitenciária em seus Estados, mas, em razão da necessidade que se estabeleceu com a dinâmica dos tempos, e a “evolução das práticas criminosas”, que faz com que a sociedade, cada vez mais, cobre habilidades e competências deles.
Ora, as polícias, cada uma com o seu papel e especificidades, têm demandas que, muita das vezes, os seus efetivos não conseguem atender de imediato por falta de contingente. No entanto, a sociedade que precisa de ações imediatas dessas forças tem que aguardar a disponibilidade de efetivo. A de se observar que as próprias polìcias, com o tempo, sentiram necessidade de criar as suas elites, um corpo mais especializado que se destaca dentro da própria instituição. Ora, porque o Sistema Penitenciário não pode avançar na sua especialização e criar a Polícia Penal, se até mesmo o congresso Nacional já tem uma?
O que não se pode admitir é a “transferência de poder” para pequenos grupos de presos, os quais exercitam quase que uma administração paralela nos presídios e penitenciárias por esse Brasil a fora, ameaçando e colocando em dúvida a autoridade dos agentes penitenciários e, conseqüentemente, do próprio Estado. A criação da polícia Penal, que não tem conflitos de atribuições com as outras já existentes, além de atender uma dinâmica da própria sociedade, vai conceder constitucionalidade à função que os agentes já vêm desempenhando há muito tempo. Com a aprovação da PEC 308/04, os agentes penitenciários, os quais já exercem a função policial de fato, passarão a exercê-la de direito, e estabelecerá as normas em sua regulamentação, evitando, assim, que cada governante trace as suas próprias. Atualmente o sistema Penitenciário nacional é uma babel: cada Estado diz em qual Secretaria deve ficar subordinado as penitenciárias e os presídios; o regime de trabalho e de contratação do pessoal difere de estado para estado.
No Estado da Bahia, inclusive, existe o quadro de pessoal efetivo, o terceirizados e os contratados temporariamente, todos em função fim. Essa confusão na gestão de pessoal é a maneira encontrada para, além de não realizar o concurso público, aos poucos, terceirizar os serviços prisionais paulatinamente. Isso vem acontecendo em vários Estados da Federação. Além do mais, é preocupante essa tendência, pois fragiliza a organização dos trabalhadores e precariza a relação de trabalho em beneficio do capital.
Atualmente, o Governo Federal vem sinalizando que quer mudar essa realidade do Sistema Penal brasileiro, com um diálogo mais próximo dos anseios dos servidores e da sociedade, em razão de ambos almejeram um serviço público qualificado e que cumpra a sua finalidade. Ao criar o PRONASCI, o governo acena, também, na direção da profissionalização dos serviços penitenciários, no entanto, há um problema a ser resolvido, que é o açambarcamento da maioria dos recursos desse PROGRAMA pelas polícias, sobrando muito pouco para o Sistema Penitenciário. Tal realidade tem inviabilizado a compra de equipamentos e a formação do pessoal. O saldo do PRONASCI para os serviços penitenciários tem sido os mine cursos de capacitação à distância e algumas vagas em cursos de pósgraduação que tem as instituições policiais na sua organização e ocupando quase todas as vagas.
Na maioria dos Estados Federados são os policiais militares e policiais civis que estão dirigindo os Presídios e Penitenciárias, os quais deveriam estar nas ruas garantindo a segurança da população, e deixando as instituições penais entregues aos seus trabalhadores. Dessa forma, cada qual na sua função asseguraria à
sociedade a otimização dos recursos investidos. Entendemos que essas instituições são parceiras e podem trabalhar juntas, todavia, há de se respeitar à independência e a competência de cada uma delas.
Porém, os problemas que se colocam para essa categoria devem ser vistos como fatores positivos, pois servem para se construir soluções e para dinamizar as lutas, uma vez que homens e mulheres não vivem em eterno repouso, mas, sim, aspiram melhores condições de vida e trabalho, encarando os conflitos como oportunidades para demonstrar a sua capacidade de pensar e articular as mudanças. Os trabalhadores Penitenciários têm mostrado essa capacidade de articulação e organização nos diversos fórus de debates, congressos e encontros, e se organizando em entidades de classes, inclusive a nível nacional com a criação da Federação dos Trabalhadores Penitenciários do Brasil - FEBRASPEN.
Para além de buscar construir a profissionalização dos serviços penitenciários, essa categoria tem, inclusive, de enfrentar uma outra batalha, a de desconstruir mentalidades arcaicas, barreiras e preconceitos, que muitas das vezes, em razão desses olhares, tentam excluí-la de alguns debates, como se fosse incapaz para tanto. Para que se compreenda que essa é, somente, uma visão preconceituosa e excludente, utilizo, aqui, o brilhante pensamento de Jean-Jacques Rousseau: “...o homem nasceu bom e livre... a maldade ou a sua deterioração adveio com a sociedade...a tirania e inúmeras leis que favorecem uma classe dominante em detrimento da grande maioria, instaurando a desigualdade em todos os segmentos da sociedade Humana...”.
Não dar para se ter dúvida: os trabalhadores penitenciários são legítimos para representar, dirigir e propor as mudanças necessárias para as melhorias do seu espaço de labor, contanto que se afine o discurso com os interesses sociais da função que eles exercem. Dessa maneira, há um espaço que está sendo aberto pelas Conferencias - CONSEG, e faz-se necessário que eles coloquem na pauta de discussão a Polícia Penal e defendam questões importantes para o fortalecimento do Sistema Penitenciário brasileiro, pois são agentes históricos e competentes para tal. Afirmo, que será uma atitude normalíssima à resistência de algumas autoridades a criação de mais uma polícia, ou por querer fazer valer o seu juízo de valor, ou em razão de nunca ter participado desse debate, mesmo que vários deles tenha acontecido nos diversos estados brasileiros. No entanto, é necessário que se vença as vaidades para não perder esse momento. Precisamos perceber a necessidade social de brindar os espaços penitenciários com profissionais qualificados e instituições fortes. Mentes pensantes não ficarão presas à nomenclatura “P O L Ì C I A” e a determinismos.
São as ações que fazes as pessoas diferentes, não os seus discursos.
É primordial que se coloque no debate, em todas as Conferências do CONSEG, os pontos prioritários para o projeto de profissionalização e especialização dos serviços penitenciários que vão servir para estruturar as bases para a Polícia Penal:
1- Contratação de pessoal efetivo (concurso público), acabando com o quadro de temporários e terceirizados na atividade de execução da pena, visto que ela requer agentes penitenciários do quadro permanente e com compromisso institucional;
2- Criação de um Plano de Carreira para os servidores que possibilite uma ascensão aos cargos de direção;
3- Cursos de especializações em gestão prisional, gerenciamento de crises e de controle interno etc;
4- Criação de um grupo de ações táticas, reconhecido institucionalmente, com o fornecimento dos equipamentos necessários pelo Estado;
5- Padronização dos serviços penitenciários, respeitando a especificidade de cada regime penal;
6- Criação de uma inteligência penitenciária que possa trocar informações com as outras inteligências da área de Segurança Pública, mas que mantenha a sua independência e quadro de pessoal próprio;
7- Criação de instrumentos legais de controle interno - uma Corregedoria Penitenciária que não seja somente punitiva, mas que oriente preventivamente os servidores penitenciários;
Sobre esse último ponto, chamo a atenção que já existem diversas instituições de controle externo para fiscalizar e denunciar os Sistema Prisional e os trabalhadores. Contudo, quero chamar a atenção para a ausência de um controle interno de prevenção e correção, que trabalhe com afinco na orientação do agente penitenciário e no controle de suas atividades. È necessário que se invista nesse profissional, na sua educação e incentive-o na busca de novos conhecimentos, gerais e técnicos, em sua formação, e que realizem debates e seminários sobre ética profissional e temas do dia a dia funcional. Além dos pontos subscrito para iniciar o projeto de profissionalização da categoria, devem ser fornecidas aos agentes penitenciários condições dignas de trabalho; remuneração decente e assistência social extensiva aos familiares; criar mecanismos institucionais para manter sempre a sua auto-estima em alta, assim como criar mecanismos institucionais para adotar a estratégia, no que diz respeito ao controle interno: primeiro ensinando e orientando, e em última instância, aplicando medidas punitivas rigorosas.
Portanto, tendo como foco a PEC 308/2004, em tramitação no Congresso Nacional, precisamos sedimentar a base da Polícia Penal nos Estados, dentro um projeto coletivo, que destaque e valorize o conjunto de homens e mulheres empenhados na profissionalização dos serviços prisionais, ressaltando a necessidade de se ter uma dinâmica autônoma, sem subordinação as outras forças de segurança, porém ombreadas para atingir melhor o cumprimento da sua finalidade: a prestação de um serviço de qualidade à sociedade.
*Licenciado em História, Coordenador do Sindicato dos Servidores Penitenciários da Bahia e da Federação Estadual dos Trabalhadores Públicos da Bahia.
BIBLIOGRAFIA CITADA ROSSEAU, Jean, Jacques, A origem da desigualdade entre os homens. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal, V. 7. Editora Escala. p. 7 REFERÊNCIAS BIBLIÓGRAFICAS SILVA, Luciano Costa da. Políticas Públicas de Segurança, Controle e Medo Social. 2003. Dissertação (Curso de mestrado em Direito do Estado) – Centro de Estudos Sociais Aplicados, Universidade da Amazônia, Belém, 2003. BAYLEY, David H. E Skolnick, Jerome H. Nova Polícia: Inovações na Polícia de seis cidades norte-americanas. Tradução de Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: EDUSP, 2001. SOARES, Luiz Eduardo. Meu casaco de general. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Direitos Humanos: Coisa de Polícia. Edições CAPC, gráfica Editora Berthier, Passo Fundo, RS, 2003.