Fernando Pascoal Lupo
Revista Jurídica
É comum ouvir-se no meio social e até no âmbito policial que o indivíduo preso possui o “direito” de fugir. Todavia, tal assertiva não condiz com a verdade, como demostraremos a seguir.
Sabe-se, indubitavelmente, que toda a pessoa humana possui o direito à liberdade de locomoção, ou seja, o poder de ir, vir e permanecer, constitucionalmente assegurado. No entanto, em certas situações, a norma permite que o direito individual se restrinja em face do coletivo, como princípio da supremacia do interesse público, que prevalece sobre o particular.
Ao ser condenado e preso o indivíduo, ele perde diversos direitos que antes possuía, embora sejam respeitados outros não atingidos pela sentença penal condenatória. Embora encarcerado, ao ser preso são assegurados à pessoa vários direitos que detinha quando em liberdade, isto é, à assistência jurídica, à saúde, à educação, ao trabalho, à prerrogativa de formular representação e petição em sua defesa, entre outros. Antes, contudo, o condenado tem deveres a serem observados, dentre eles o de ter comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença que o condenou, sendo-lhe vedada conduta tendente a apoiar movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina. A disciplina consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações das autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho.
Destarte, ao iniciar a execução da pena, o condenado ou denunciado (preso provisório) será cientificado das sanções disciplinares, cujas infrações se subdividem em graves, médias e leves. As sanções médias e leves serão regidas por lei local ou regulamento. Por seu turno, as faltas graves estão expressamente reguladas na Lei n.º 7.210/84 (Lei de Execução Penal) e, portanto, devem ser observadas por presunção legal.
O art. 50 e incisos da L.E.P. elenca situações em que se considera falta grave do condenado à pena privativa de liberdade, dentre elas a fuga. Tal proibição se estende ao preso provisório por força do parágrafo único do artigo citado.
Art. 50 - Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
I - incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;
II - fugir;
III - possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem;
IV - ...........
Portanto, fica evidente que o preso, condenado ou provisório, não tem o direito de fugir, como antes se pensava, pois sua liberdade de locomoção foi restringida temporariamente em virtude da execução da pena, ou da possibilidade de futura sentença condenatória. E, para dar maior ênfase ao pensamento do legislador, considerou-se que a mera tentativa de falta grave será punida com a sanção correspondente à falta consumada. Dessa forma, se o preso tentar se evadir também receberá a punição, como se consumada fosse a falta grave. É relevante ressaltar, ainda, que se o detento contribuir de qualquer maneira para que seu companheiro de cela consiga ou tente fugir, isto é, se ele auxiliar, induzir ou instigar outrém a cometer a aludida infração disciplinar também sofrerá as consequências traçadas.
Finalmente, devemos ressaltar que, em certas situações, além das sanções referidas, concomitantemente pode o preso estar praticando crime de dano qualificado ou de evasão mediante violência, e pela simples circunstância de Ter sido praticado fato previsto como crime doloso, tal conduta constitui falta grave e sujeita o preso, ou condenado à sanção disciplinar, sem prejuízo da sanção penal.
Fernando Pascoal Lupo,
promotor de Justiça
promotor de Justiça
A declaração do Ministro
Sobre o tema em questão, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, declarou: “É direito natural do homem fugir de um ato que entenda ilegal. Qualquer um de nós entenderia dessa forma. É algo natural, inato ao homem”.
Ora, se há o direito do Estado de prender, de modo provisório ou definitivo, não poderia haver o direito do réu ou condenado de fugir, pois o exercício desse direito significaria a anulação do outro. O Ministro referiu-se ao fato de que qualquer pessoa, quando presa ou ameaçada de prisão, tem o ardente desejo de preservar ou reconquistar sua liberdade. Isso é plenamente compreensível, mas, de maneira alguma, é justificável em caso de prisão lícita.
Pois bem: se, quando decretada uma prisão, fosse direito de todo e qualquer acusado (ou investigado, ou condenado) fugir, não seria dado a ninguém, nem ao Estado, opor-se ao exercício regular desse direito. A ação do Estado que prende (ou que impede a fuga), seria sempre ilícita. Num ilogismo inevitável, ter-se-ia que toda e qualquer prisão no Brasil é ilegal.Afirmar que a fuga é um direito de qualquer acusado é afirmar que a fuga é um ato lícito. Ocorre que, no Brasil, segundo nossa Constituição e nossas leis, a fuga é um ato ilícito, com sanções que vão além do pronto restabelecimento da prisão daquele que fugiu.
Vontade de fugir é uma coisa; direito de fugir é outra! Quem está preso quer sair; é um instinto. Mas se a lei admite a custódia preventiva quando presente a necessidade de garantir a aplicação da lei penal (art. 312, CPP), é porque não há direito algum de evasão.
Por Bruno Calabrich, mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV, ex-coordenador do Núcleo Criminal do Ministério Público Federal no Estado do Espírito Santo e procurador da República em Sergipe - Revista Consultor
Nenhum comentário:
Postar um comentário